No barlavento algarvio, em 1943, em plena Segunda Guerra Mundial, um avião aliado despenha-se e a neutralidade de Portugal é questionada.
Isto é muito interessante, mas, lamento, isto não tem quase relevância nenhuma para o enredo. O aviador inglês (ou seria americano, já não sei) é devolvido, fim da história da guerra. Tirando alguém que é espião, mas isto também não tem relevância nenhuma, é só pano de fundo.
"Finisterra" é a história de Celeste, que é considerada bruxa pela superstição local, a ponto de ela própria se questionar se tem o "mal". Isto também é interessante, mas a série foi-me vendida como sobrenatural. Ora, lamento, de sobrenatural isto não tem nada. O que se passa aqui é uma bruxa/vidente de província, aparentemente com um livro de São Cipriano e veneno de formigas, a liderar um culto daquilo que na altura se apelidava de satânico, com orgias e bebidas perigosas, mas de verdadeiro satânico também não tem nada. O problema das pessoas deste tempo é que não tinham televisão, nem sequer rádio, nem sabiam ler, e inventavam estas coisas para se entreterem, e quem os pode censurar.
Não estou a dizer que não gostei da série. "Finisterra" criou toda uma atmosfera do que a representação da realidade podia ter sido, sem ser exactamente realista. O fim também foi inesperado, não estava nada à espera daquilo. As cenas da gruta foram um bocadinho "isto deve ter caído aqui de outro filme", mas aceito. No final de cada episódio temos um testemunho verdadeiro de pessoas que viveram na época. Penso que os criadores tentaram inventar uma história que englobasse esses testemunhos.
Os meus problemas com a série não têm a ver com o enredo mas com a execução. Aconteceu-me muitas vezes não perceber o que estava a acontecer. Antes que me venham com desculpas, ter clareza de narrativa não é "guiar o espectador pela mão", é mesmo clareza de narrativa. Por exemplo, ouvimos bombas a cair mas não as vemos, e custou-me perceber que a casa do monte tinha sido atingida. Também não parecia uma casa atingida por uma bomba, para ser franca. Parecia mais chamuscada pela queima de lenha ou algo assim. Isto pode ser por questões de orçamento, e compreendo, mas nesse caso talvez fosse boa ideia ter alguém a verbalizar que a casa foi atingida. Como isso me escapou completamente, perdi partes importantes da lógica das consequências e tive de voltar atrás para ver de novo. Outras coisas não percebi mesmo. Por exemplo, naquele monte algarvio não crescia nada e Celeste era acusada de ser a causadora disso, por ser bruxa. Mas a certa altura vemos a madrinha dela a pôr qualquer coisa no chão, seria sal? Ou seria apenas a viúva a demonstrar o seu ódio pela terra? Sinceramente, não percebi e desisti de perceber. A relação de parentesco também é esquisita. Há aqui muitos pais e muitas mães desaparecidos, e quem era mesmo o pai da outra e do outro afinal, etc.
Mas o que me chateou a sério foram os diálogos que não consegui perceber. Depois de ponderar muito se seria problema de som ou de dicção, uma vez que consegui perceber perfeitamente as palavras de Salazar na rádio, e que até consegui perceber melhor os testemunhos com sotaque e com mau português, e que percebi tudo o que diziam alguns actores, como Miguel Guilherme, tenho de concluir que o problema é mesmo a dicção dos outros actores. Estou a dizer isto como crítica construtiva, a dicção é importante. A naturalidade das falas não as pode tornar incompreensíveis. Já não é a primeira vez que bato nesta tecla, mas faço isto com boas intenções. Afinal, quem beneficia de boas séries sou eu, a espectadora. Custou-me muito acompanhar os diálogos dos actores principais e tenho a certeza de que isto contribuiu para perder o fio à meada da narrativa (isto, e as deficiências da narrativa).
Outro exemplo foi quando os homens andavam a fazer a mó. Desculpem a ignorância, mas só percebi o que eles estavam a fazer no testemunho do final. Durante a cena, porque nunca tinha visto nada semelhante, passou-me pela cabeça se andavam a colocar ou a tirar uma mina (por causa da guerra) ou se estavam a fazer um altar ritual (por causa da bruxaria). Enquanto tentava decifrar o que eles andavam a fazer, e porquê, e como é que se relacionava com o resto, entretanto já tinham passado 10 minutos e mais enredo a que não consegui prestar a atenção devida. Uma vez que isto é uma coisa antiga, talvez pudesse ter sido explicada a espectadores mais novos e citadinos. Por falar nisso, também me custou a perceber o que é que o padrinho de Celeste lá andava a fazer com eles, porque não era o trabalho dele. Se bem compreendi, ele andava a tentar ganhar dinheiro em biscates porque o campo dele não produzia. Ora, juntando a minha ignorância quanto à mó, os diálogos que não percebi, à tentativa de tentar estabelecer ligações entre o enredo da guerra e das bruxas, fiquei ali à nora.
Até aconteceu uma coisa um pouco cómica. Existe um personagem, penso que chamado o Parvo (lá está, custou-me perceber o que lhe chamavam), que vive como maluco selvagem nas grutas da praia. Quando ele apareceu, logo de início, pensei que era outro aviador naufragado antes e afectado das ideias. Quando Celeste o manda ir embora, pensei que estava a mandá-lo esconder-se de alguém que andasse à procura dele para o entregar aos alemães. Inventei isto tudo, admito, porque estava a tentar encontrar um fio condutor entre a história da guerra e a história da protagonista (mas não há fio condutor). Este personagem desaparece completamente e volta a aparecer no fim, quando já não me lembrava dele. Mas ainda estava convencida de que era um aviador naufragado. O Parvo é o único que tem desculpa para não falar como deve ser, mas a parte engraçada é que pensei que ele estava a falar inglês (e eu também não compreendia). Na realidade ele estava a dizer "o mar bate na terra". Mas isto fez-me rir. Esta coisa do aviador escondido também pode ter vindo do "Alô Alô" e de filmes de náufragos, confesso.
A série podia ter sido mais agradável de ver se não fosse isto tudo. Vou ser muito honesta, "Finisterra" pareceu-me, para o bem e para o mal, um daqueles filmes experimentais do cinema português em que o valor artístico é mais importante do que a lógica. Mesmo assim, gostei dos temas principais, da ambiência da época, das partes bem feitas, e acho que vale muito a pena.
ESTA SÉRIE MERECE SER VISTA: 1 vez
PARA QUEM GOSTA DE: drama, bruxas, séries de época